O olhar adensa-se, torna-se mais escuro, e, por segundos, arqueiam-se-lhe as sobrancelhas. A pergunta traz recordações dolorosas mas Arin não ilude a resposta: "Se tivesse visto soldados, isso significaria guerra, luta". Logo, não teria mudado de ideias e teria feito explodir a mochila que transportava às costas. Com 35 kg de explosivos. Teria sido uma shaeed - mártir - cujo corpo, ou o que restasse dele, estaria hoje numa vala comum do "cemitério dos números" em Israel.
Mas Arin Awad Ahmed naquele dia de Maio de 2002 não viu soldados no parque da cidade israelita de Rishon Letzion. E isso fez toda a diferença. Transformou-a na primeira - e única - kamikaze que se arrependeu no último momento.
"Vi pessoas, jovens, idosos; vi uma mãe com um bebé; quando recordo esse dia, ainda sinto o que então senti", afirma, com voz segura, esta palestiniana que passou os últimos sete anos e meio numa prisão israelita. "Deus não me deu o direito de tirar a vida a ninguém, eram civis, não podia fazer-lhes o que os soldados estavam a fazer ao meu povo", adianta a jovem muçulmana da pequena vila de Beit Sahur, vizinha da cidade de Belém.
Arin diz-se preocupada em defender o seu povo e, de forma especial, os milhares de palestinianos que ainda estão nas prisões israelitas. De forma pacífica porque a "estratégia dos suicidas" teve o seu momento, agora "é a do diálogo, das negociações". Embora, sublinha, estas não tenham dado qualquer "resultado". Na defesa dos prisioneiros, ela e o marido - Sami, um ex-prisioneiro - criaram uma estação de rádio precisamente para dar voz aos que estão presos e também para levar até eles as vozes do exterior, das famílias, dos líderes.
"Temos um sonho, que é também um direito: ter um Estado com fronteiras definidas, onde possamos viver em liberdade e com dignidade. Dignidade é a chave", afirma, em conversa com o DN, horas após "ter despido a alma" perante um auditório que ouviu a sua história com profunda atenção. Arin veio a Lisboa no âmbito da X Conferência da Cunha Vaz & Associados e para uma entrevista conduzida pelo jornalista Henrique Cymerman.
A menina que perdeu o pai aos seis meses e que a mãe - que vive na capital jordana - deixou com os tios e as tias na pequena vila da Cisjordânia, teve sonhos que a violência do conflito com Israel destruiu. A segunda Intifada, que começou em Setembro de 2000, roubou-lhe o sonho de ser engenheira e de frequentar a universidade que desejava; o ano de 2002 foi-lhe particularmente doloroso: o seu namorado, Jad, foi morto por israelitas, perdeu amigos e assistiu, impotente, aos mais de 30 dias de cerco militar israelita à Basilica da Natividade, em Belém, dentro da qual estavam alguns amigos. É neste ambiente de violência desenfreada que Arin, num ímpeto emocional dos seus 20 anos, comunica que quer fazer-se explodir para vingar a dor que os soldados israelitas lhe tinham provocado. E, a 22 de Maio, Arin e Issam, um palestiniano de 16 anos, são levados até Rosh Letzion, para se explodirem na praça da cidade. Primeiro seria Issam, depois e no lado oposto da praça, Arin. Mas ... não havia soldados. E a jovem desiste. Tenta convencer o adolescente a fazer o mesmo e exige aos "líderes" que os levaram até à cidade que a venham buscar.
"Fiquei três horas à espera. Desligavam-me o telemóvel, ameaçavam-me mas a minha resposta foi sempre a mesma: quero ir para casa, não quero fazer isto", conta. Finalmente, aceitaram a decisão de Arin, que partiu deixando a mochila num dos bancos da praça... Uma semana mais tarde, os soldados israelitas prenderam-na. Foi interrogada durante 23 horas seguidas e ao longo de 39 dias. O então ministro da Defesa de Israel, Benyamin Ben-Eliezer, foi à prisão para saber as razões que a levaram a dizer sim e a recuar. "Olhei-o nos olhos todo o tempo e tive a possibilidade de lhe dizer que eram as acções do seu exército que provocavam os shaeeds, elas eram a causa da violência", contou Arin ao DN.
Flavio Fonte: Diario de Noticias
domingo, 6 de dezembro de 2009
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